Descartada dispensa discriminatória da técnica de enfermagem diagnosticada com Covid-19

Os julgadores da Nona Turma do TRT-MG, por unanimidade, deram provimento ao recurso de uma empresa para afastar a configuração de dispensa discriminatória, acidente do trabalho e danos morais, no caso de uma técnica de enfermagem que contraiu Covid-19.

Foi acolhido o voto do relator, desembargador Ricardo Marcelo Silva, que modificou sentença oriunda da 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, para excluir a condenação da empresa de pagar à profissional indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, por dispensa discriminatória. Também foi afastada a obrigação da empresa de reintegrar a trabalhadora ao emprego e de pagar a ela os salários e demais direitos devidos desde a data da dispensa. A empresa ainda foi absolvida da condenação de pagar indenização por danos morais à ex-empregada, por ter contraído Covid-19 no ambiente de trabalho, também fixada em R$ 10 mil.

Entenda o caso

A profissional foi admitida em maio de 2018 e atuava como técnica de enfermagem na empregadora, uma empresa de serviços de diagnóstico por imagem. Auxiliava na realização de exames médicos em pacientes, inclusive naqueles diagnosticados com Covid-19, em contato direto com eles. Contou que, em julho de 2020, “sentiu-se muito mal” no trabalho, com “tontura, tremores, dor de cabeça e febre”. Testou positivo para Covid-19 e permaneceu afastada, em isolamento social, por 15 dias. Dois dias após retornar ao trabalho, foi dispensada sem justa causa.

Na avaliação do relator, ao contrário do que ficou entendido na sentença de primeiro grau, não houve qualquer indício de discriminação na dispensa sem justa causa da trabalhadora e a empresa apenas exerceu o direito unilateral de dispensá-la. O juiz convocado ainda concluiu não ser o caso de responsabilidade objetiva, considerando que o empregador não desenvolve atividade de risco, ressaltando ainda não ter havido culpa da empresa no fato de a empregada ter contraído Covid-19, razão pela qual ela não pode ser obrigada a pagar indenização pelo ocorrido, mesmo porque não é possível afirmar que a profissional contraiu o vírus no ambiente de trabalho.

Dispensa discriminatória

Diante do afastamento da dispensa discriminatória, foi dado provimento ao recurso da empresa também para afastar sua obrigação de reintegrar a trabalhadora ao emprego e de lhe pagar salários e demais direitos (décimos-terceiros salários, férias, FGTS), desde a data da dispensa até a reintegração. Também foi excluída a condenação da empresa quanto ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da dispensa discriminatória.

Na sentença, o reconhecimento da dispensa discriminatória se baseou na Súmula 443 do TST, segundo a qual: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

Para a juíza de primeiro grau, a dispensa, até mesmo sem justa causa, pelo simples fato de o empregado ter testado positivo para Covid-19, pode caracterizar dispensa discriminatória, tendo em vista que “a Covid-19 ainda se trata de doença que suscita estigma”. Pontuou que, no contexto, estabelecida a presunção, cabia à empregadora produzir prova de que a dispensa da trabalhadora decorreu de outra causa, que não o contágio da Covid-19, o que, entretanto, não cuidou de fazer.

Mas o relator entendeu de forma diferente. Ao registrar os fundamentos da decisão, o magistrado pontuou que o Judiciário não se pode valer de súmulas ou enunciados de jurisprudência para restringir direitos legalmente garantidos e impor obrigações não previstas em lei. E complementou: “Não é possível partir da tese de que a dispensa deva ser presumida discriminante, por uma simples razão: no ordenamento brasileiro, a dispensa é direito potestativo do empregador”.

O relator ainda ressaltou que a tese consubstanciada na Súmula 443 não está em sintonia com os fatos discutidos na ação, porque a empregada não é portadora do vírus HIV ou outra patologia que possa merecer o qualificativo “grave” a ponto de suscitar “estigma ou preconceito”. “Cabia à ex-empregada a prova da conduta discriminante imputada à empregadora ‘por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros’ (artigo 1º da Lei 9.029/95)”, destacou.

De acordo com o relator, o contágio da Covid-19, por si só, não caracteriza patologia que gere estigma ou preconceito a ponto de gerar uma dispensa discriminatória. Ele observou que, além disso, as provas não revelaram que a razão da dispensa tenha sido a contaminação da profissional com o novo coronavírus, até porque, segundo o apurado, inúmeros empregados também testaram positivo para a doença e nenhum deles foi dispensado. “Não há o mínimo indício de dispensa discriminatória”, arrematou Ricardo Marcelo Silva.

Indenização por acidente de trabalho

Além de a empresa ter sido absolvida da condenação quanto ao pagamento de indenização por danos morais (de R$ 10 mil) por dispensa discriminatória, foi dado provimento ao recurso, para excluir sua condenação de pagar indenização por danos morais à ex-empregada, também de R$ 10 mil, dessa vez em razão do contágio da Covid-19 no ambiente de trabalho.

Na visão do relator, ao contrário do que ficou decidido na sentença recorrida, não houve doença ocupacional ou acidente de trabalho equiparado, tampouco se aplica ao caso a responsabilidade objetiva do empregador (que não depende de culpa).

O juiz convocado explicou que a responsabilidade objetiva prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, só é aplicável nas hipóteses especificadas em lei, ou quando houver risco de lesão a direitos do trabalhador diante da natureza da atividade desenvolvida, o que não ocorreu no caso, tendo em vista que a empregadora tem como atividade a prestação de serviços de diagnóstico por imagem e, portanto, não desenvolve atividade de risco.

Nesse contexto, o relator registrou que a configuração da responsabilidade civil da empregadora, no caso, está atrelada aos seguintes pressupostos: ato ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade. Mas entendeu que o pedido de indenização relativo ao contágio da Covid-19 esbarra na ausência de nexo de causalidade e culpa da empresa. “Embora a profissional prestasse serviços dentro de um hospital e estivesse sujeita ao contato com pacientes portadores da Covid-19, não é possível afirmar que tenha contraído o vírus em seu ambiente de trabalho”, destacou.

Segundo pontuou o magistrado, a pandemia atinge pessoas em todo o mundo e a contaminação pode ocorrer em qualquer lugar, no transporte público, nas ruas, em estabelecimentos comerciais e até na própria residência. “Na hipótese vertente, é incontroverso que a profissional mantinha um segundo emprego e residia com outras pessoas, além, é claro, de se deslocar para os locais de trabalho. Portanto, não há prova inequívoca do nexo de causalidade”, ponderou.

Além disso, segundo o relator, ainda que se cogite de que o contágio tenha ocorrido no ambiente de trabalho, a empresa não descumpriu o dever legal de adotar medidas para evitar, ou ao menos minimizar a contaminação, não tendo, portanto, praticado ato ilícito, de forma a contribuir, mesmo que com culpa, para o ocorrido.

De acordo com a prova testemunhal, a empresa forneceu, inicialmente, máscaras de TNT laváveis e reutilizáveis para os empregados. “Conquanto o uso de tais máscaras não seja apropriado para evitar o contágio, é razoável em vista da notória falta do equipamento que se verificou no mercado, notadamente no início da pandemia”, ponderou o magistrado, acrescentando que as testemunhas declararam que, posteriormente, a empregadora forneceu máscaras cirúrgicas e, assim que houve fácil acesso no mercado, disponibilizou a N95.

Segundo constatou o relator, a técnica de enfermagem contraiu a doença em período que já estava sendo fornecida a máscara a N95, além de ter recebido a máscara de proteção full face ou face shield. Isso contribuiu para o afastamento da responsabilidade civil da empresa: “Como a empregada utilizou máscara de proteção durante sua rotina de trabalho, inexiste prova da prática de ato ilícito pela empregadora apta a ensejar a reparação moral pretendida”, registrou o magistrado. O processo foi enviado ao TST para análise do recurso de revista.

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