Justiça do Trabalho não constata culpa de empregador em caso de educadora social agredida por interna em instituição de acolhimento de adolescentes

Julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas modificaram sentença para excluir indenização por danos morais de R$ 3 mil que havia sido deferida à educadora social agredida por interna no local de trabalho. Ao apreciar o recurso da ex-empregadora, o desembargador Ricardo Antônio Mohallem – que atuou como relator e cujo voto foi adotado à unanimidade pelos demais julgadores – concluiu que não houve culpa da reclamada no ocorrido, o que exclui o dever de reparação.

“O Direito Civil condiciona a reparabilidade do dano à culpa (lato sensu) do agente. Significa dizer que a obrigação de ressarcir provém de ato comissivo ou omissivo praticado com culpa (lato sensu). Sem esta, a responsabilidade civil se esvai“, registrou o relator.

Entenda o caso – A reclamante foi contratada para trabalhar em instituição de acolhimento de adolescentes – Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais Sudeste Brasileira –, para a função de educadora social. Em 2016, foi agredida no local de trabalho por uma das internas, que lhe desferiu um chute e lhe pressionou contra o portão, com o objetivo de que ela não o fechasse. A educadora pretendia receber da ex-empregadora indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil, alegando que, apesar de ter dado a ela ciência do fato, não recebeu qualquer proteção.

O pedido da trabalhadora foi parcialmente acolhido pelo juízo da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte e a ex-empregadora foi condenada a lhe pagar indenização de R$ 3 mil. Mas, ao analisar as provas, inclusive testemunhal, o relator concluiu que a ex-empregadora não cometeu ilícito e, dessa forma, não pode ser responsabilizada pelo ocorrido. Nesse quadro, deu provimento ao recurso da reclamada, para afastar a indenização por danos morais deferida na sentença.

Prova testemunhal – A prova testemunhal e os depoimentos pessoais das partes envolvidas revelaram que as educadoras recebiam treinamento específico para lidar com os menores, em sua maioria, vindos de ambientes agressivos e do tráfico de drogas. Segundo os relatos, os treinamentos eram fornecidos pela Prefeitura de BH e pela própria reclamada. No caso de agressões, o fato era comunicado à coordenadora e a polícia era acionada, o que ocorreu quando a autora foi agredida pela interna.

A maioria das adolescentes fazia uso de medicamento e tinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico, inclusive a interna que agrediu a autora. Pelo plano de ação adotado pela Prefeitura, não era possível a contratação de seguranças na instituição, sendo prevista a possibilidade de acionar a polícia ou a Guarda Municipal no caso de agressão.

Nesses casos, a situação era levada ao juiz da Vara da Infância e Juventude, que decidiria se a acolhida sofreria ou não uma medida, o que, inclusive, já havia ocorrido com a interna que agrediu a autora. A equipe, formada por uma psicóloga e uma assistente social, determinava a medida a ser adotada, que poderia ser proibição de saída, proibição de acesso a televisão e não participação em eventos programados.

Na decisão, o relator pontuou que a natureza especial da função exercida pela autora a expunha, assim como as demais educadoras, a ameaças e agressões. Para tanto, as educadoras eram treinadas e capacitadas para o enfrentamento das situações de crise, como provaram os depoimentos.

“É incontestável que a agressão física ocorreu, retratada em boletim de ocorrência, em livro de ocorrência da primeira reclamada e também nos depoimentos”, frisou o relator. Ele notou que uma testemunha que trabalhava no local revelou que, embora ela mesma nunca tivesse sido agredida, a interna que agrediu a autora também já havia agredido outras educadoras.

Mesmo quem pouco conhece desses ambientes de acolhida para pessoas desamparadas ou desajustadas do seio familiar, social, psicológico, marginalizadas pela sociedade, dependentes de medicação e acompanhamento psicológico/psiquiátrico, sabe como é dura a vida nessas condições. O ambiente torna-se ‘carregado’ para todos, tanto para os acolhidos como para os educadores”, registrou o desembargador relator. Ele ponderou que, entretanto, não houve omissão da empregadora, tanto que a polícia era acionada quando as agressões ocorriam.

Para o relator, seguido pelos demais julgadores, a conduta agressiva da interna, ainda que tenha ocorrido no local de trabalho e contra a autora no cumprimento da sua função, não pode ser atribuída ou imputada à reclamada, até porque a prova testemunhal confirmou que ameaças e agressões ocorriam, mas não eram “uma constante”. “Não houve conduta ilícita da primeira reclamada, tampouco de forma habitual, que pudesse ter contribuído para esse fato”, frisou o julgador.

O desembargador ponderou não vislumbrar qual seria a medida que a ré poderia ter implementado para evitar agressões físicas às educadoras sociais e pontuou que somente existe responsabilidade civil do empregador (artigo 7º, XXVIII da Constituição) se este “incorrer em dolo ou culpa”, considerando que a responsabilidade objetiva é exceção, conforme decidiu o STF ao apreciar o Tema 932.

“Poucas são as atividades sem risco para os direitos de outrem. É certo que a função da reclamante se reveste de um certo grau de risco, na medida em que trabalha com adolescentes com problemas de socialização, mas também é certo que essa condição não foi omitida às educadoras, treinadas e amparadas pela presença da polícia, quando necessário”, destacou Mohallem.

O relator frisou que o Direito Civil condiciona a reparabilidade do dano à culpa do agente, o que significa dizer que a obrigação de ressarcir provém de ato comissivo ou omissivo praticado com culpa, sem a qual a responsabilidade civil se esvai.

Na ótica do Direito do Trabalho interessa o dano e sua incidência na relação contratual trabalhista. Não se trata de transferir ao empregado os riscos da atividade econômica, mas de aplicar a norma civil (artigo 186 do CC/2002), com respaldo constitucional, segundo a qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, II CF/1988) ou a reparar o dano para o qual não deu causa”, pontuou o desembargador. E concluiu: “A primeira reclamada não contribuiu para a agressão sofrida pela reclamante, que foi desferida por uma interna com histórico problemático”.

Por não vislumbrar nenhuma ação ou omissão empresária que tenha concorrido para a agressão sofrida pela educadora social, tendo em vista que não foi demonstrada a culpa nem a prática de ato ilícito atribuível à empregadora, foi afastada a indenização por danos morais deferida na sentença.

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