Vaqueiro adolescente receberá indenização de R$ 10 mil após trabalho infantil em propriedade rural de Sete Lagoas

A Justiça do Trabalho determinou que o Ministério Público do Trabalho (MPT) seja comunicado sobre a prática de trabalho infantil em propriedade rural na região de Sete Lagoas. A medida faz parte da sentença proferida pelo juiz Frederico Alves Bizzotto da Silveira, na 3ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas, diante de ação movida por um adolescente contra os proprietários de unidade rural da região. Além de determinar comunicação ao MPT, o juiz reconheceu o vínculo de emprego entre as partes e determinou a rescisão indireta do contrato de trabalho e o pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais. 

O autor alegou que foi contratado aos 14 anos de idade, em 14/6/2019, pelos fazendeiros, para atuar como vaqueiro. Mas, sem estar caracterizado na condição de aprendiz, recebendo apenas a quantia de R$ 400,00 mensais. Informou ainda que foi dispensado, verbalmente, pelos réus, que são mãe e filho, na data de 15/10/2019. Afirmou também que não teve sua CTPS anotada, pleiteando o reconhecimento da relação empregatícia e indenização por danos morais.

Ao decidir o caso, o julgador pontuou que, no intuito de buscar a proteção ao menor de idade, é vedado o trabalho infantil, reconhecida como única exceção a prática de atividades na condição de aprendiz. Conforme ressaltou o magistrado, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, prevê “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (…)”.

Além disso, de acordo com o juiz, a ordem jurídica pátria adotou a Teoria da Proteção Integral no que se refere aos direitos de crianças, adolescentes e jovens. “Com o artigo 227 da Constituição de 1988 e o artigo 4º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – foram garantidos todos os direitos que possuem os adultos e ainda outros, peculiares à especial condição de pessoas em desenvolvimento. Tudo em consonância com a ordem jurídica internacional, em especial Convenções 138 da OIT e Convenção Internacional da ONU do Direito das Crianças de 1989”, enfatizou o julgador.

Para o juiz, os donos da propriedade rural não se atentaram para o fato de que a função de “vaqueiro”, diante das tarefas desempenhadas na lida diária em propriedade rural, não era apropriada em razão da faixa etária do adolescente. Segundo o julgador, em vez de assegurar uma formação compatível à pessoa em formação, o referido labor pode ocasionar ao trabalhador menor danos de ordem física, psíquica, moral e social.

Assim, no entendimento do juiz Frederico Alves, diante da legislação que busca amparar o menor em seu desenvolvimento, não seria razoável deixar de reconhecer o vínculo de emprego tão somente em razão da idade dele. Para o magistrado, tal situação configuraria a punição em dobro, para quem teve tolhida a oportunidade de desfrutar de prioritária proteção.

“Percebe-se, pelos fatos narrados, que o trabalhador, mesmo que menor, deve ter reconhecidos seus direitos legítimos, no desempenho de tarefas consideradas pela legislação a eles ainda proibidas, sob pena de se configurar explícita violação dos princípios da dignidade da pessoa humana”, ressalta o julgador.

Rescisão indireta – Quanto à rescisão indireta, o juiz entendeu que houve descumprimento de obrigações trabalhistas de gravidade suficiente a ensejar a ruptura contratual pelo obreiro. Pelo descrito pelo trabalhador, dentre as atividades exercidas, compreendia a ele tirar leite, limpar o curral e bater a ordenha. Os empregadores o assalariavam, pagando-lhe, no dia 20 de todo mês, o valor de R$ 400,00, sem a formalização do contrato de trabalho em sua CTPS.

Segundo o juiz, diante da tipicidade do serviço prestado, o que explicaria a ausência de anotação como aprendiz em sua CTPS, evidencia-se que os réus deixaram de proceder o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas ao INSS e o recolhimento dos depósitos do FGTS na conta vinculada do reclamante. “Por se tratar de trabalhador menor, executando serviços impróprios, jamais poderia ter sido sequer contratado pelos reclamados. Em contrapartida pelos serviços prestados, percebia salário inferior ao salário-mínimo legal”.

Assim, a sentença determinou a rescisão indireta do contrato, com o pagamento das parcelas contratuais e das verbas rescisórias devidas. Para o cálculo dessas verbas, o magistrado determinou que seja considerado o salário mínimo da época do contrato de trabalho.

Além disso, determinou o pagamento de indenização por danos morais., já que ficou evidenciado no processo, diante ainda da ausência de contestação, a situação do trabalho indevidamente realizado na propriedade dos fazendeiros, caracterizando, assim, a situação do trabalho infantil. Dessa forma, considerando a intensidade, o tempo de exposição aos danos, o grau de culpa, a gravidade e a natureza do fato, o magistrado julgou procedente o pedido de indenização no valor de R$ 10 mil.

Determinou também comunicação à Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Sete Lagoas, em face das irregularidades comprovadas para as medidas administrativas cabíveis, além da ciência ao MPT. Não cabe mais recurso da decisão.

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