Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo: Um chamado à consciência e à solidariedade

No dia 28 de janeiro, lembramos o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Longe de ser um simples marco no calendário, é uma data que nos convoca à reflexão sobre os desafios persistentes e a necessidade de renovação do nosso compromisso na luta contra essa grave violação dos direitos humanos.

O trabalho escravo, uma prática indigna que remonta a séculos passados, ainda persiste em pleno século XXI. Apesar dos avanços sociais e econômicos, há aqueles que sofrem em silêncio, explorados e subjugados em condições deploráveis. Este dia não apenas nos convida a uma reflexão sobre o passado, mas também nos convoca a agir no presente para criar um futuro livre de exploração e opressão.

No Brasil, lembramos a tragédia ocorrida em 2004, conhecida como o “Massacre de Unaí”, na qual quatro auditores-fiscais do trabalho foram brutalmente assassinados enquanto investigavam denúncias de trabalho escravo em uma fazenda. Esse episódio trágico, que ocorreu no dia 28 de janeiro de 2004, evidenciou a extrema necessidade de intensificação dos esforços na prevenção e no combate a essa chaga social.

Ao celebrarmos o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, prestamos homenagem não apenas às vítimas que sofreram sob condições desumanas, mas também aos agentes que dedicam suas vidas a combater essa forma repugnante de exploração. É um dia para reafirmar nosso comprometimento com a promoção da justiça social, do respeito à dignidade humana e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Que a data sirva como um chamado à ação coletiva, inspirando a sociedade, o governo, as organizações não governamentais e todos os cidadãos a se unirem na erradicação do trabalho escravo moderno. Somente com esforços conjuntos e uma consciência coletiva podemos criar um futuro onde cada indivíduo desfrute plenamente de direitos e viva livre de qualquer forma de exploração.

Recentemente, o TRT de Minas julgou um caso sobre o tema. Acompanhe:

Empresa agropecuária localizada no Noroeste de Minas Gerais é autuada por trabalho em condições análogas à escravidão

Os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG consideraram válido auto de infração com aplicação de multa a uma empresa agropecuária localizada no Município de Santa Rosa da Serra, Noroeste de Minas Gerais, por ter submetido 18 trabalhadores a condições análogas à de escravo. Todos os trabalhadores atuavam no cultivo do café, em propriedade rural da empresa. Foram encontrados em condições degradantes de trabalho, em descumprimento a diversas normas de proteção, segurança e higiene do trabalho.

A decisão é de relatoria do desembargador Luís Otávio Linhares Renault, cujo voto foi acolhido pelos demais julgadores da Turma para negar provimento ao recurso da empresa, mantendo sentença oriunda da Vara do Trabalho de Patos de Minas, que já havia confirmado a validade do auto de infração.

A empresa negou a existência de trabalho análogo ao de escravo em sua propriedade rural. Pretendia a declaração de nulidade do auto de infração, com o cancelamento da multa que lhe foi aplicada e a exclusão do nome do cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Argumentou que a situação retratada nos autos de infração pelos auditores fiscais, ainda que resulte em ofensa a direito coletivo dos trabalhadores, não pode ser potencializada a ponto de configurar trabalho em condição análoga à de escravo, por não representar violação intensa e persistente dos direitos básicos dos trabalhadores ou trabalho forçado. 

Dezoito trabalhadores encontrados em condição análoga à escravidão

Mas as alegações da ré não foram acolhidas pelo relator, no que foi acompanhado pelos demais julgadores. As provas apresentadas demonstraram que, em maio de 2019, iniciou-se uma ação fiscal mista, realizada por auditores-fiscais do trabalho da Gerência Regional do Trabalho de Uberaba/MG, em propriedade rural da empresa.  Na oportunidade, foram constatadas várias irregularidades trabalhistas, o que resultou na lavratura de diversos autos de infração. Em um desses, a empresa foi autuada por “Manter empregado trabalhando sob condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, quer seja submetido a regime de trabalho forçado, quer seja reduzido à condição análoga à de escravo”.

Conforme registrado pela fiscalização, foram encontrados 18 trabalhadores atuando em condições degradantes, em descumprimento a normas de proteção, segurança e higiene do trabalho, a ponto de configurar condição análoga à escravidão. Na análise do relator, a empresa não comprovou qualquer irregularidade nas autuações, não apresentando elementos de prova capazes de afastar a presunção de veracidade dos autos de infração, os quais devem ser mantidos, mesmo porque lavrados por auditores-fiscais, que possuem fé pública.

Legislação aplicável

O relator observou que os autos de infração decorreram de diligência física de auditores-fiscais e identificaram em detalhes, visualmente, as condições de trabalho encontradas. Segundo pontuou, as condições demonstram a violação das normas de proteção do trabalho, autorizando o enquadramento na capitulação apontada no auto de infração, qual seja, de manter trabalhadores reduzidos a condição análoga à de escravo.

De acordo com o entendimento adotado na decisão, tendo em vista que foram encontrados 18 trabalhadores em condições degradantes de trabalho, a situação se enquadra ao tipo penal previsto no artigo 149, assim como no item III, da Instrução Normativa nº 138/2018, da Secretaria da Inspeção do Trabalho (SIT), que dispõe sobre a fiscalização para a erradicação de trabalho em condição análoga à de escravo e dá outras providências.

Conforme constou da decisão, o artigo 149 do Código Penal incrimina a conduta consistente em reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

A IN 138/2018 da SIT, vigente à época dos fatos, por sua vez, em seu artigo 6º, considera em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a: “I – Trabalho forçado; II – Jornada exaustiva; III – Condição degradante de trabalho; IV – Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; V – Retenção no local de trabalho em razão de: a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) manutenção de vigilância ostensiva; c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais”.

A decisão também se baseou no item III do artigo 7º da Instrução Normativa mencionada, segundo o qual “Condição degradante de trabalho é qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho”.

Condições indignas de moradia e riscos à saúde e integridade física dos trabalhadores

Na análise do relator, ficou claramente evidenciado o desrespeito da empresa às normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, de forma colocar em risco a saúde e a integridade física dos seus empregados. Acrescentou que também houve comprovação de situações indignas de moradia.

Dormitórios sem asseio e sem armários, colchões excessivamente finos e com roupas de cama deterioradas

Constou dos relatórios de fiscalização que os dormitórios não possuíam o asseio necessário, que o empregador não disponibilizou armário para guarda de mantimentos e objetos pessoais, tendo sido encontradas roupas espalhadas pelos cantos e objetos de higiene pessoal dispostos sobre os colchões e dependurados nas janelas. Os colchões do local não apresentavam resistência estrutural capaz de preservar a forma fisiológica da curvatura da coluna dos trabalhadores, pois eram excessivamente finos e desgastados, podendo causar lordose lombar, cifose torácica e lordose cervical. As roupas de cama além de deterioradas, não eram adequadas ao clima da região, que possui temperaturas muito mais baixas do que a região de onde vieram os empregados.

Sanitários sujos e precários

As instalações sanitárias foram encontradas sem condições asseio, com paredes e pisos sujos, sem tampa nos vasos sanitários, e com chuveiros instalados de forma precária.

Falta de recipiente adequado para guardar comida

Na fiscalização, verificou-se, ainda, que não havia local ou recipiente adequado para guardar comida, tampouco geladeira para conservação dos alimentos, razão pela qual as proteínas consumidas pelos empregados eram basicamente ovo e mortadela.

EPIs não fornecidos

Observou-se que a empresa deixou de fornecer equipamentos de proteção individual (EPI) aos trabalhadores, que realizavam a colheita manual de café, utilizando apenas botas e luvas que foram adquiridas com gastos dos próprios trabalhadores. O relator destacou que o trabalho era executado em área de abundante vegetação e próxima a segmentos da floresta nativa, de modo que os empregados estavam sujeitos a riscos ocupacionais, e, portanto, necessitavam de botas para proteção dos pés contra contato com rastelos e animais peçonhentos, perneiras para proteção contra animais e insetos peçonhentos, chapéu ou outra proteção contra o sol, óculos para proteção solar, luvas e mangas de proteção contra materiais, vegetais ou objetos que arranham a pele. “Nenhum desses equipamentos foram fornecidos”, destacou o desembargador.

“Necessidades fisiológicas no mato” e almoço “sentados no chão”

Não foi constatada instalação sanitária, refeitório e abrigo no local de trabalho, o que obrigava os empregados a fazerem necessidades fisiológicas no mato e almoçarem sentados no chão.

“Aglomerados em alojamentos”

O relatório de fiscalização foi acompanhado de fotos, o que permitiu a conclusão de que os fatos descritos pelos auditores-fiscais correspondiam à realidade.  Observou-se que os trabalhadores se encontravam aglomerados em alojamentos cujo espaço físico era desproporcional para a quantidade de pessoas que ali moravam. Ademais, as fotos mostraram objetos pessoais espalhados pelo chão, colchões no piso e espremidos uns aos outros, e itens de cozinha no chão, ao lado dos colchões.

Segundo o pontuado pelo relator, não houve dúvida de que o tratamento degradante dispensado pela empresa aos seus trabalhadores reduziu-os à condição análoga à de escravo. “Esse conceito, modernamente, não se restringe apenas ao trabalho forçado, sem liberdade de locomoção, alcançando, também, a submissão a condições aviltantes de trabalho, conforme a literalidade do supracitado art. 149 do Código Penal”, destacou o desembargador.

Diante das circunstâncias apuradas, foi confirmada a sentença que reconheceu a validade do auto de infração, mantendo-se a inscrição da empresa no cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à de escravo.

Foto: Arquivo SRTE/MG

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