Justiça do Trabalho considera nula a contratação sem concurso público para UPA de Divinópolis

Quando constatada a ingerência do ente público em todo o ‘modus operandi’, é irregular a contratação de trabalhadores por interposta pessoa jurídica de direito privado, para a prestação de serviço público, ainda que por meio de contrato de gestão. Aplica-se a Súmula 363 do TST, que dispõe sobre a nulidade de contratos firmados pela Administração Pública sem prévio concurso público”.

Com esse entendimento, expresso no voto do relator, o desembargador Marcos Penido de Oliveira, julgadores da Primeira Turma do TRT-MG acolheram o recurso da Santa Casa de Caridade de Formiga/MG, para reconhecer a nulidade do contrato de trabalho firmado entre ela e um auxiliar administrativo de Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Divinópolis. A instituição foi absolvida de pagar ao trabalhador diferenças de horas extras e reflexos.

O município de Divinópolis e a Santa Casa de Caridade de Formiga formalizaram contrato de gestão compartilhada, tendo como objeto a “operacionalização, o gerenciamento e a execução das ações e serviços de saúde, pela Santa Casa, realizados na UPA 24 horas – unidade de pronto atendimento Padre Roberto”.

Condenação em primeiro grau

Sentença oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Divinópolis reconheceu a validade do contrato de gestão e do contrato de trabalho entre a Santa Casa e o trabalhador contratado. Foi reconhecida a condição de empregadora da Santa Casa, que foi condenada a pagar ao profissional diferenças de horas extras e reflexos, tendo sido declarada a responsabilidade subsidiária do município de Divinópolis, na condição de beneficiário da prestação de serviços.

Irregularidades

O relator ressaltou que, nos termos do artigo 7º da Lei nº 9.637/1998, que dispõe sobre as organizações sociais, o contrato de gestão deve constituir uma parceria entre os contratantes, com a discriminação das atribuições, responsabilidades e obrigações de cada um, bem como a especificação do programa de trabalho proposto pela organização, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, além de critérios objetivos de avaliação de desempenho.

Ocorre que, na avaliação do relator, a gestão pela Santa Casa de Caridade de Formiga era meramente formal, uma vez que ela não tinha autonomia sobre o objeto contratual, inclusive, o controle de jornada era feito pelo município. O relator ainda observou que a contratação do trabalhador para prestar serviços na UPA Padre Roberto ocorreu antes da assinatura do contrato de gestão, o que evidencia a irregularidade da contratação.

Para o relator, o auxiliar administrativo prestou serviços como empregado público, embora sua contratação não tenha sido precedida de concurso público, o que leva à nulidade da contratação, nos termos da Súmula 363 do TST.

Na decisão, o julgador esclareceu que o juízo é responsável pela busca da verdade real, sendo-lhe facultada a obtenção de provas produzidas em outros processos, nos termos do artigo 372 do CPC. Acrescentou que a questão discutida no caso não é nova e já foi objeto de apreciação pela Justiça do Trabalho em processos anteriores ajuizados contra as mesmas instituições, inclusive em acórdão de sua relatoria julgado pela Turma revisora (Processo n° 0010393-40.2021.5.03.0098-RO – 25/6/2021).

Intermediação ilícita

Segundo o relator, depoimentos colhidos naqueles processos demonstraram que, mesmo após a celebração do contrato de gestão entre as partes, a administração da UPA continuou a ser exercida pelo município, que custeava todas as despesas da unidade e estabelecia as atribuições e metas relativas aos contratados, inclusive quanto às jornadas de trabalho, aos valores dos salários, à quantidade de plantões, aos adicionais de insalubridade e noturno.

“Assim, a Santa Casa não tinha autonomia alguma sobre o objeto contratual e a sua participação no ajuste limitava-se a proceder à assinatura das CTPS dos empregados, com os quais celebrava contratos que serviam de mera formalidade para que os serviços fossem prestados diretamente para o município, na tentativa de revestir de regularidade uma intermediação ilícita de mão de obra”, frisou o relator.

O desembargador pontuou que, diferentemente do que acontece nas terceirizações lícitas, em que se estabelece uma relação triangular entre o trabalhador, a prestadora de serviços e o tomador final, o conjunto das provas denota uma relação bilateral, envolvendo o trabalhador e o município de Divinópolis, já que o ente público não delegava, na prática, o gerenciamento da UPA para a Santa Casa.

Nesse quadro, o relator frisou não haver dúvida de que o município transferiu a administração da UPA para a Santa Casa, somente para contratar trabalhadores sem prévio concurso público, com a clara intenção de burlar a regra prevista no artigo 37, II, da Constituição, o que leva à nulidade do contrato de trabalho, nos termos da Súmula 363 do TST.

Por essas razões, foi dado provimento ao recurso da Santa Casa de Caridade de Formiga, para declarar a nulidade do contrato de trabalho, excluindo a condenação ao pagamento das diferenças de horas extras e reflexos. O processo foi enviado ao TST para análise de um recurso de revista.

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