NJ – JT-MG determina cancelamento de registro de sindicato ao constatar ofensa ao princípio da unicidade sindical

A JT-MG determinou o que o então Ministério do Trabalho e Emprego (atual Ministério da Economia) cancele o pedido de registro de entidade sindical efetuado em nome do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Beneficiamento e Pesquisas na Extração de Ferros e Metais Básicos de São Gonçalo do Rio Abaixo/MG. Isso porque foi constatada a inexistência de categoria profissional distinta que poderia ser representada pelo sindicato e a violação da unicidade sindical, prevista no ordenamento jurídico brasileiro.

A sentença é da juíza Graça Maria Borges de Freitas, titular da Vara do Trabalho de Ouro Preto, que atendeu a pedido feito em ação ajuizada por outra entidade sindical, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferros e Metais Básicos de Mariana, Santa Bárbara, Barão de Cocais, São Gonçalo do Rio Abaixo, Rio Piracicaba, Caeté, João Monlevade, Catas Altas e Bela Vista de Minas – Metabase Mariana. O sindicato-autor afirmou que o réu pretendia representar a mesma categoria profissional já representada por ele na região, em ofensa ao princípio da unicidade sindical e, ainda, sem observar os requisitos legais para a fundação.

Ao examinar o caso, a magistrada constatou que, de fato, o réu pretendeu fundar sindicato para representar os trabalhadores que atuam no beneficiamento do minério, atividade que integra a extração do minério e cuja categoria já é representada pelo sindicato-autor na região. A juíza observou que a categoria profissional não poderia ser dividida na forma pretendida pelo réu, por não se tratar de atividade distinta, já que o beneficiamento do minério nada mais é do que uma fase do processo minerário, integrada à atividade de extração do minério, a qual não se restringe à extração de rochas.

 “Assim, não existindo categoria profissional distinta, não é possível fundar novo Sindicato na base territorial pretendida, mormente utilizando o réu de procedimentos pouco transparentes e de trabalhadores que não pertencem à categoria que pretende representar ou que não trabalhavam na localidade, como o próprio presidente que renunciou”, destacou a julgadora.

Outros pedidos do autor também foram acolhidos pela magistrada, como a declaração da nulidade da assembleia de fundação do sindicato-réu, a determinação de cancelamento e anulação de sua fundação e todos os demais atos praticados, incluindo aprovação do estatuto, eleição e posse da diretoria executiva, conselho fiscal, tesoureiro, secretário-geral e seus suplentes. A sentença ainda determinou ao Cartório de Registros de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Santa Bárbara que cancele todo e qualquer registro efetuado em nome do réu, lançados após 06/3/2014.

Ofensa ao princípio da unicidade sindical –  A sentença fundamentou a questão com base no artigo 511 da CLT, o qual foi recepcionado pela Constituição de 1988, diante da permanência da unicidade sindical como parte da estrutura organizativa sindical do país, o que significa que somente pode existir um sindicato representativo da mesma categoria profissional na mesma base sindical, cuja unidade é o município, ressalvadas as categorias diferenciadas, o que não era o caso.

Conforme pontuado na decisão, o artigo 511 da CLT assegura a associação para fins de interesses econômicos ou profissionais a todos que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais, “exerçam a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas”. De acordo com o parágrafo 2º da norma, é justamente a “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, que compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”. Já a categoria profissional diferenciada está conceituada no parágrafo 3º do artigo, com sendo aquela “que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares”. A juíza citou, ainda, o parágrafo 4º da regra celetista, segundo o qual: “Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural”.

No caso, como ressaltou a magistrada, não se tratava de categoria diferenciada, pois não havia entre os trabalhadores da mineração representados pelo réu “profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares”, nos termos do artigo 511, parágrafo 3º, da CLT. Além disso, sequer havia categoria profissional distinta daquela dos trabalhadores do sindicato-autor, pois a atividade a qual o réu alegava representar consistia no beneficiamento do minério, que nada mais é do que uma etapa do processo de extração, não uma profissão diferente. Esse fato foi, inclusive, reconhecido pelo representante do réu, que, em depoimento prestado ao juízo, declarou que: “(…) o processo minerário dentro da mesma mina é composto de várias fases; que uma fase é a extração do minério e a outra fase é o tratamento e beneficiamento do minério; que depois de extraído, o minério é transportado para a usina, local onde ele é beneficiado; que a operação dos equipamentos da usina é diferente da operação das máquinas de extração; que um operador de equipamentos pode começar o seu contrato trabalhando na extração, passar a trabalhar na usina e retornar na extração, mediante treinamento; que para operar cada tipo de máquina, o trabalhador faz um treinamento prévio”.

Na conclusão da juíza, o processo de extração do minério não se confunde com o da extração da rocha que contém o minério, de modo que as atividades de extração do material nas frentes de lavra e o seu beneficiamento na usina são parte do mesmo processo. “Há operadores de equipamentos que trabalham na extração da rocha, outros transportando o minério entre as frentes de lavra e a usina, outros operando os equipamentos da usina, todos integrantes da mesma categoria”, ressaltou.

Insegurança jurídica – Engessamento dos direitos trabalhistas e do poder diretivo do empregador – Na visão da julgadora, não se pode dividir uma categoria como pretende o réu, ou haveria total insegurança jurídica, com o engessamento do próprio direito ao trabalho ou do poder diretivo do empregador. É que o trabalhador da mineração pode ser designado ao longo de sua carreira, ou mesmo do seu mês ou semana de trabalho, para trabalhar em qualquer fase da produção da mina, desde que seja habilitado para o serviço e haja necessidade do empregador. Caso houvesse a divisão da categoria por essas variações do tipo de trabalho realizado, o trabalhador ficaria suscetível a mudanças nas condições de seu contrato, o que, segundo a juíza, não poderia ser permitido. Por outro lado, examinada a questão sob a ótica do empregador, a magistrada destacou que a empresa também não poderia ficar engessada em usar a mão de obra de que dispõe para treiná-la, retreiná-la ou designá-la para realizar qualquer atividade dentro do complexo da mina, segundo a conveniência do serviço e de acordo com o poder diretivo do empregador, sem que isso importasse alteração das normas que regem o contrato do trabalhador.

“A representação sindical pretendida pelo réu, portanto, seria sobre um contingente de trabalhadores fluidos, o que desvirtua totalmente o papel do sindicato e da própria base que, um dia, pode estar na usina, no outro dia, poderia não estar”, concluiu a juíza.

Testemunha – A indivisibilidade da categoria ainda foi confirmada pela rotina de serviço de uma testemunha, que, inclusive, foi uma das participantes da assembleia promovida pelo réu. A testemunha relatou que: “… trabalha na Vale desde maio/2008; que foi mecânico de manutenção até 2013 e atualmente trabalha como operador de equipamentos; que como operador de equipamentos, cargo atual, o depoente trabalha em toda a área da mina: usina, britagem e área de mina ou de extração; que o depoente só fica sabendo o local onde trabalhará a depender da ordem de serviços do dia; que, por exemplo, pode trabalhar na usina em um dia e no dia seguinte trabalhar na área da mina, extraindo minério”.

Nesse quadro, como frisou a juíza, não há como diferenciar uma categoria de outra, como pretendeu o réu, pois não há diferentes categorias. “Etapas ou fases de produção não diferenciam categorias que trabalham em um mesmo processo produtivo quando não há categoria diferenciada de trabalhadores. Pela prova produzida pelo próprio réu, portanto, se nota que sequer os participantes das assembleias de fundação do sindicato poderiam fundar um sindicato que eles não representam, pois um dia eles trabalham beneficiando o minério, no outro dia estão extraindo a rocha ou transportando-a”, destacou, na sentença.

Vícios no processo de fundação do sindicato-réu

1ª assembleia – Ainda que se admitisse a divisão da categoria profissional, a juíza observou que o processo de fundação do sindicato teve uma série de vícios, não só de forma, como de motivação, que afetam a sua regularidade. Conforme constatado, a primeira assembleia não cumpriu os requisitos legais, pois sequer se pode afirmar quem estava presente e se estes representavam trabalhadores da mineração, restando anulado o ato.

Em primeiro lugar, ficou comprovado que não houve assembleia na igreja, local anunciado como de sua realização, o que já bastaria para comprometer a lisura do ato quanto à sua divulgação ou publicidade. Mesmo que tivesse ocorrido uma reunião na praça em frente à igreja, conforme alegou o réu, e que essa reunião pudesse ser configurada como uma assembleia, não foi isso o que observou a juíza. “Não há lista de presença desse evento, não sendo possível identificar quem foram os seus participantes e se estes pertenciam à categoria profissional que pretende fundar o Sindicato”, ressaltou a magistrada.

Para a magistrada, o que se pode extrair do processo é que a motivação para a divisão do sindicato decorreu de retaliação política de iniciativa do antigo presidente do sindicato-autor, que nunca trabalhou na região de Brucutu, onde houve o desmembramento, e que renunciou ao cargo logo depois da suposta “formalização” do sindicato-réu. “Além dos vários problemas apontados quanto à assembleia, tal pessoa foi a única que fez uso da palavra, conforme prova oral produzida e a reunião teria umas 20 pessoas, durou 30 minutos e não se sabe quem eram as ditas pessoas”, destacou a julgadora. Acrescentou que a suposta publicidade do ato ainda fugiu ao padrão das divulgações sindicais, inclusive pelo papel “tipo plástico” do boletim que a testemunha informa ter recebido.

2ª assembleia – Foi realizada uma segunda assembleia, com a pretensão de ratificar a fundação do sindicato. A questão foi apreciada na sentença como “fato incidente”, porque ocorrido posteriormente ao ajuizamento da ação.

Na lista de presença, constou o nome e CPF de empregados da Vale e da empresa Acoplation, esta pertencente ao ramo de montagem e manutenção, com várias ações que correm na Vara, segundo observou a juíza. Acrescentou a magistrada que, por não se tratar de empresa necessariamente vinculada à atividade mineradora, seus empregados não podem ser considerados membros da mesma categoria dos empregados da Vale. Eles prestam serviço instrumental a qualquer tipo de produção industrial e não somente em beneficiamento de minério, razão pela qual é meramente contingente a presença deles na usina da Vale.

Nesse contexto, os acordos coletivos que o réu eventualmente negociasse não atingiriam os trabalhadores da Acoplation, por não serem representados pelo réu, mesmo motivo pelo qual não podem fundar o sindicato, explicou a juíza.

A julgadora ainda ressaltou que a publicidade do ato junto aos trabalhadores tampouco foi exaustiva, já que não atingiu a categoria, nem se deu em jornal de circulação local na cidade e de ampla leitura, mas no Jornal “O Tempo”, o qual, segundo uma testemunha, circulava na região de modo restrito.

Além disso, o próprio representante do réu afirmou que a “divulgação boca a boca” ocorreu “dentro da usina” e “não foi feita divulgação da assembleia na mina junto aos trabalhadores que participavam da atividade de extração”, que, como se viu, é atividade meramente contingencial e depende da ordem do serviço do dia.

Ao se manifestar no processo, o então Ministério do Trabalho e Emprego opinou que se esperasse a solução do registro, o que não foi acolhido na sentença, que registrou que a competência do órgão é meramente burocrática e não constitutiva do sindicato, diante da cláusula constitucional que garante a liberdade associativa e a não intervenção do Estado.

A sentença foi confirmada pelo TRT mineiro.

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